sexta-feira, 6 de junho de 2014

O ROMANTISMO AINDA NECESSÁRIO (Rubens da Cunha)


Os poetas são românticos por natureza. Esse é um dos numerosos clichês que envolvem o romantismo, um movimento cultural que vai muito além do raso dos chavões amorosos. Como conceito histórico, é um dos melhores definidos na história da literatura, mas o romantismo também se apresenta como um dos conceitos mais vagos, mais indefinidos, em toda a história das artes. De maneira geral, os estudiosos compartilham a ideia de que para o romantismo a arte vale menos que o artista. A criação passa a ser então um caminho, uma ferramenta para que o criador possa comunicar o que acontece em seu interior. A única coisa que importará é o eu do poeta, a sua atividade será superior à obra. No romantismo, o desejo de viver poeticamente, de tudo ser posto romanticamente, enfrentando, claro, a impossibilidade de se viver de tal forma, em que o mundo do escritor se desconecta, se fecha sobre si mesmo, é uma das contradições desse movimento: viver à parte, na idealização, ou na utopia em contraponto com a dita vida real. Os românticos buscavam a inocência, não aquela inocência primeva do Jardim do Éden, mas uma inocência sábia, que conseguisse englobar todo o espectro cultural da humanidade. Maurice Blanchot, em um ensaio sobre o romantismo, apontou o que ele considera o duplo fracasso do romantismo: o autor não consegue desaparecer de verdade completamente, e as obras “pelas quais não se pode impedir de querer realizar-se permanecem, e como que intencionalmente inconclusas. Porém, uma das tarefas do romantismo foi introduzir um modo de realização totalmente novo, e também uma verdadeira conversão da escrita.” Eis a força desse movimento que foi muito além da literatura, atingindo diversas artes, além de outras áreas do conhecimento humano. É um movimento contraditório, amplo, que atribui ao artista uma força quase descomunal e exige dele toda uma entrega, uma busca que ultrapassaria a própria vida. Infelizmente, houve uma banalização do romantismo nos tempos atuais, tornando-o um arcabouço de ideias amorosas, geralmente rasas e sem criatividade. Em tempos de desesperança, faz-se necessário trazer de volta ao mundo aquele romantismo transgressor, ousado, que exigia mudanças radicais e utópicas na sociedade.


[Crônica publicada no Jornal A Notícia, em 4/6/2014.]

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