domingo, 22 de novembro de 2015

MODERNISMO BRASILEIRO - GERAÇÃO DE 1945: CLARICE LISPECTOR



[Fonte: http://www.gelonegro.com.br/wp-content/uploads/2012/01/clarice-lispector.jpg]


 
Sinopse: "Segundo o poeta Ferreira Gullar, Clarice Lispector ensinava, com suas obras, a romper o pacto com a mediocridade da vida. E mesmo após três décadas de sua morte, a escritora ainda ocupa um espaço único na literatura brasileira. O documentário O encontro de Clarice, celebra os 90 anos de nascimento da escritora, e mostra suas características, explorando algumas de suas obras e revelando como Clarice retrata e questiona as diversas dimensões do cotidiano".

[Especial TV Escola.]

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

O ALIENISTA - Machado de Assis


Caso Especial - O ALIENISTA
Adaptação realizada pela Rede Globo a partir
do conto de Machado de Assis.
Dirigido por: Guel Arraes
Redação: Jorge Furtado e Naum Alves de Souza.
Texto final: Guel Arraes e Pedro Cardoso
Produção: 1993


Fonte: https://nossalinguaviva.files.wordpress.com/2011/06/o-alienista.jpg





Clique na imagem acima para ler o conto original.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

VIDAS SECAS - Graciliano Ramos [ #1 ]

Confiram algumas resenhas sobre a obra:

 
Isabella Lubrano - Ler antes de morrer


 Tatiana Feltrin - Tiny Little Things



Tatiana Dantas - País das Entrelinhas

domingo, 12 de julho de 2015

INTERTEXTUALIDADE [ #2 ] - AS DIVERSAS CANÇÕES DO EXÍLIO


O poema “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias, é um dos mais revisitados da língua portuguesa. Vários autores, em diversas épocas, se inspiraram neste poema.


CANÇÃO DE EXÍLIO (Casimiro de Abreu)

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!

Meu Deus, eu sinto e tu bem vês que eu morro
Respirando este ar;
Faz que eu viva, Senhor! dá-me de novo
Os gozos do meu lar!

O país estrangeiro mais belezas
Do que a pátria, não tem;
E este mundo não vale um só dos beijos
Tão doces duma mãe!

Dá-me os sítios gentis onde eu brincava
Lá na quadra infantil;
Dá que eu veja uma vez o céu da pátria,
O céu do meu Brasil!



CANTO DE REGRESSO À PÁTRIA (Oswald de Andrade)

Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos aqui
Não cantam como os de lá

Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra

Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá

Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo.



NOVA CANÇÃO DO EXÍLIO (Carlos Drummond de Andrade)

Um sabiá na
palmeira, longe.

Estas aves cantam
um outro canto.

O céu cintila
sobre flores úmidas.
Vozes na mata,
e o maior amor.

Só, na noite,
seria feliz:
um sabiá,
na palmeira, longe.

Onde tudo é belo
e fantástico,
só, na noite,
seria feliz.
(Um sabiá,
na palmeira, longe.)

Ainda um grito de vida e
voltar
para onde tudo é belo
e fantástico:
a palmeira, o sabiá,
o longe.



CANÇÃO DO EXÍLIO FACILITADA (José Paulo Paes)

Lá?
Ah!

Sabiá...
papá...
maná...
sofá...
sinhá...

Cá?
Bah!



CANÇÃO DO EXÍLIO ÀS AVESSAS (Jô Soares)

Minha Dinda tem cascatas
Onde canta o curió
Não permita Deus que eu tenha
De voltar pra Maceió.
Minha Dinda tem coqueiros
Da Ilha de Marajó
As aves, aqui, gorjeiam
Não fazem cocoricó.

O meu céu tem mais estrelas
Minha várzea tem mais cores.
Este bosque reduzido
deve ter custado horrores.
E depois de tanta planta,
Orquídea, fruta e cipó,
Não permita Deus que eu tenha
De voltar pra Maceió.

Minha Dinda tem piscina,
Heliporto e tem jardim
feito pela Brasil’s Garden:
Não foram pagos por mim.
Em cismar sozinho à noite
sem gravata e paletó
Olho aquelas cachoeiras
Onde canta o curió.

No meio daquelas plantas
Eu jamais me sinto só.
Não permita Deus que eu tenha
De voltar pra Maceió.
Pois no meu jardim tem lagos
Onde canta o curió
E as aves que lá gorjeiam
São tão pobres que dão dó.

Minha Dinda tem primores
De floresta tropical.
Tudo ali foi transplantado,
Nem parece natural.
Olho a jabuticabeira
dos tempos da minha avó.
Não permita Deus que eu tenha
De voltar pra Maceió.

Até os lagos das carpas
São de água mineral.
Da janela do meu quarto
Redescubro o Pantanal.
Também adoro as palmeiras
Onde canta o curió.
Não permita Deus que eu tenha
De voltar pra Maceió.

Finalmente, aqui na Dinda,
Sou tartado a pão-de-ló.
Só faltava envolver tudo
Numa nuvem de ouro em pó.
E depois de ser cuidado
Pelo PC, com xodó,
Não permita Deus que eu tenha
De acabar no xilindró.

A versão de Jô Soares tomou como base os acontecimentos que resultaram no impeachment do presidente Fernando Collor de Melo, em 1992. A Casa da Dinda, como era o nome da residência oficial do então presidente, foi alvo de uma reportagem por parte da Revista Veja ("As floridas cachoeiras da corrupção", em 9/9/1992) que mostrava a quantia exorbitante de dinheiro que fora gasto na sua ampliação e manutenção, num dos escândalos que acabaram derrubando o presidente do poder.

INTERTEXTUALIDADE [ #1 ] - AS DIVERSAS "CANÇÕES DO EXÍLIO"



CANÇÃO DO EXÍLIO (Gonçalves Dias, 1843)

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá; 
As aves, que aqui gorjeiam, 
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas, 
Nossas várzeas têm mais flores, 
Nossos bosques têm mais vida, 
Nossa vida mais amores.

Em  cismar, sozinho, à noite, 
Mais prazer eu encontro lá; 
Minha terra tem palmeiras, 
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

A “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias, texto-matriz, foi produzida no primeiro momento do Romantismo Brasileiro, época na qual se vivia uma forte onda de nacionalismo, que se devia ao recente rompimento do Brasil-colônia com Portugal. O poeta trata,neste sentido, de demonstrar aversão aos valores portugueses e ressaltar os valores naturais do Brasil.

Quando Gonçalves Dias escreveu este poema, cursava a Faculdade de Direito em Coimbra, em julho de 1843. Vivia, dessa forma, um exílio físico e geográfico. Tradicionalmente, esta é a situação do exílio.

CANÇÃO DO EXÍLIO (Murilo Mendes, 1930)

Minha terra tem macieiras da Califórnia 
onde cantam gaturamos de Veneza. 
Os poetas da minha terra 
são pretos que vivem em torres de ametista, 
os sargentos do exército são monistas, cubistas, 
os filósofos são polacos vendendo a prestações. 
A gente não pode dormir 
com os oradores e os pernilongos. 
Os sururus em família têm por testemunha a
                                            [ Gioconda. 
Eu morro sufocado 
em terra estrangeira. 
Nossas flores são mais bonitas 
nossas frutas mais gostosas 
mas custam cem mil réis a dúzia. 

Ai quem me dera chupar uma carambola de
                                            [ verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade! 

O poema de Murilo Mendes é uma produção do período Modernista, surgido a partir da década de 1920 no país. Essa época se caracterizava pelo nacionalismo crítico e por uma revisão tanto da história do Brasil como da produção literária anterior que, segundo o pensamento da época, havia uma apropriação inadequada das produções e ideais estrangeiros.

Murilo Mendes, em sua “Canção do Exílio”, denuncia a invasão cultural estrangeira no Brasil. O nacionalismo em seu poema se fundamenta numa crítica à realidade sociocultural brasileira. Ele não se conforma em se aceitar tudo o que vêm de fora: as frutas, os pássaros, os artistas, as ideologias… Ele tem consciência de que também temos coisas boas e que temos de valorizá-las. Ele mostra, porém, que quando isso acontece, o preço das coisas sobem: temos de comprar frutas de “quinta categoria”, que são baratas, pois as nossas frutas, que são às melhores, são exportadas e, quando comercializadas aqui, custam “o olho da cara”. Essa desigualdade sócio-cultural faz o poeta sentir-se um exilado em sua própria terra.


UMA CANÇÃO (Mario Quintana, 1962)

Minha terra não tem palmeiras...
E em vez de um mero sabiá,
Cantam aves invisíveis
Nas palmeiras que não há.

Minha terra tem relógios,
Cada qual com sua hora
Nos mais diversos instantes...
Mas onde o instante de agora?

Mas onde a palavra "onde"?
Terra ingrata, ingrato filho,
Sob os céus da minha terra
Eu canto a Canção do Exílio!

Mário Quintana, poeta modernista, em sua releitura “Uma Canção”, não apresenta um exílio geográfico, mas de uma inadaptação da realidade que o envolve: o onde e o agora. É através desse questionamento da existência que o poeta nega dois valores fundamentais do texto-mãe: “as palmeiras e o sabiá”, quando afirma que “As aves invisíveis cantam em palmeiras que não há”. Ele se sente como Murilo Mendes, um exilado em sua própria terra.


Referências:

AMARAL, Emília et al. Novas palavras: língua portuguesa: ensino médio: 2ª série. 2.ed.renov. São Paulo: FTD, 2005.

SANTOS, Paula Perin dos. Canção do exílio. Disponível em Infoescola.

sexta-feira, 6 de março de 2015

A MATADEIRA (OU NO BALANÇO DA JUSTIÇA)



A matadeira vem chegando
No alto da favela
No balanço da justiça
Do seu criador
Matadeira vem chegando
No alto da favela
No balanço da justiça
Salitre pólvora enxofre chumbo
O banquete da Terra
O Teatro do céu
Diz aí quem vem lá
O velho soldado
O que traz no seu peito
A Vida e a Morte
O que traz na cabeça
A matadeira
E o que veio falar
Fogo



Compositor: Lirinha.

Grupo: Cordel do Fogo Encantado.

domingo, 1 de março de 2015

UM OLHAR CRÍTICO SOBRE A GUERRA DE CANUDOS (Antônio Carlos de Oliveira Barreto)

A Guerra de Canudos através do olhar crítico do cordelista Antônio Carlos de Oliveira Barreto. Clique na imagem abaixo para ser encaminhado para a página da Cordelteca.


http://docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=cordel&pagfis=90374&pesq=

GUERRA DE CANUDOS: A REPÚBLICA SE IMPÕE AO SERTÃO A FERRO E FOGO (Renato Cancian)

Fonte: http://lh6.ggpht.com/_5ZVfrqNx7ZM/S-R6fwTyacI/AAAAAAAAQRk/rhq52Z_4BIY/Ant%C3%B4nio%20Conselheiro_thumb%5B2%5D.jpg?imgmax=800

No início da Primeira República, no governo de Prudente de Morais, o interior do Nordeste brasileiro foi palco de um dos maiores conflitos sociais envolvendo a luta das populações pobres pela posse da terra. As principais causas deste conflito, que desencadeou a Guerra de Canudos, estão relacionadas às condições sociais e geográficas da região.
As características geográficas e as condições sociais do Nordeste brasileiro formavam um conjunto de fatores geradores de um estado de permanente conflito e revolta social. Toda aquela região era composta de latifúndios improdutivos, que eram grandes extensões de terra pertencentes a poucos proprietários.

Os coroneis e a seca
Esses grandes proprietários agrários, também conhecidos como coroneis, mantinham uma enorme massa de sertanejos em condições de absoluta miséria. Como não possuíam terras, os sertanejos eram obrigados a aceitar as péssimas condições de trabalho impostas pelos coroneis. A situação de miséria dessas populações era agravada pelas condições do clima da região.

O nordeste brasileiro sofria com as secas, que assolavam toda a região, acabando com as plantações de alimentos, matando as criações de animais e secando os reservatórios de água. Todos os anos, a fome e a sede matavam milhares de sertanejos.
Banditismo, fanatismo e conflito social
As condições de miséria das populações que habitavam o interior do Nordeste brasileiro favoreciam a ocorrência de conflitos e revoltas sociais. Os sertanejos formavam bandos de cangaceiros que aterrorizam as populações locais e atacavam as fazendas dos coroneis, roubando tudo que podiam.

O cangaço era uma das formas mais comuns de luta contra a miséria e a fome. O emprego da violência de forma rotineira e de caráter vingativo, são as marcas do cangaço.

Essas condições também favoreciam o surgimento de líderes religiosos, conhecidos na região como beatos ou conselheiros. Pregando a salvação da alma, esses religiosos mobilizavam seguidores e formavam comunidades. Movimentos populares de caráter religioso eram uma outra forma primitiva de contestar e lutar contra a miséria e a fome. Eles se contrapunham ao catolicismo conservador vigente, e por esse motivo não eram bem vistos pela Igreja.
Canudos e o Conselheiro
A história de Canudos começa por volta de 1893. Nesta época, no arraial de Canudos, no vale do rio Vaza-Barris, no interior da Bahia, reuniu-se um grupo de fieis seguidores do beato Antônio Conselheiro, que pregava a salvação e dias melhores para quem o seguisse. Em 1896 o arraial já possuía cerca de 15 mil sertanejos que viviam de modo comunitário. Sobreviviam com a criação de animais e plantações.

Tudo era dividido entre os habitantes e o que sobrava era comercializado nas cidades vizinhas. Desse modo, conseguiam obter os bens e produtos que não eram produzidos no local. Para se protegerem, os habitantes de Canudos organizaram grupos armados. Foi assim que, em poucos anos o arraial de Canudos se firmou na região como um contestado, passando a reunir cada vez mais sertanejos que lutavam para mudar suas condições de vida fugindo da miséria e dominação dos grandes latifundiários.
A Guerra de Canudos
O rápido crescimento da comunidade de Canudos passou a incomodar os coroneis locais e a Igreja católica. Os latifundiários perdiam mão-de-obra enquanto a Igreja perdia seus adeptos. O arraial de Canudos passou a ser alvo de inúmeras críticas.

Padres e coroneis faziam pressão para que o governador da Bahia acabasse com Canudos. Na imprensa, os intelectuais e jornalistas condenavam os habitantes da comunidade sob a acusação de quererem restabelecer o regime monárquico e chamando os sertanejos de bandos de "fanáticos" e "degenerados".

O governo da Bahia organizou expedições militares para destruir Canudos. A primeira, comandada pelo tenente Manuel Pires Ferreira, foi composta por 120 homens e terminou sendo vencida pelos fieis de Antônio Conselheiro, que estavam sob o comando de Pajeú e João Abade. A Segunda expedição, foi composta por 500 homens e foi chefiada pelo major Febrônio de Brito, mas também foi derrotada.
Terceira derrota
Diante do fracasso, foi organizado uma terceira expedição militar composta por 1.200 homens, sob chefia do coronel Moreira César - considerado pelos militares um herói do exército brasileiro. Ainda assim, a expedição foi vencida, e o coronel foi morto em combate. Com a terceira derrota, a resolução do problema passou para a competência do governo federal. O ministro da Guerra, Carlos Bittencourt, preparou uma quarta expedição que foi composta por 6 mil homens e chefiada pelo general Artur Oscar.

Fortemente armados, os soldados cercaram por três meses o arraial de Canudos, que sofreu forte bombardeio e depois foi invadido. O arraial foi completamente destruído a 5 de outubro de 1897. Os sertanejos de Canudos, homens, mulheres, velhos e crianças, foram massacrados pelos soldados, que tinham ordens para não fazer nenhum prisioneiro.
A destruição de Canudos
O presidente Prudente de Morais comemorou a vitória das tropas militares. Mas pouco a pouco, começaram a surgir críticas proveniente de políticos, intelectuais e de diversos setores da sociedade, sobre a necessidade do uso de tamanha violência contra os habitantes de Canudos. A Guerra de Canudos passou para história como o grande massacre da população pobre e humilde do Nordeste brasileiro.

O famoso escritor Euclides da Cunha, que na época acompanhou o conflito armado na condição de jornalista, como correspondente de "O Estado de S. Paulo", retratou o episódio em sua obra "Os Sertões". Nela, ele apresenta uma contundente denúncia sobre o massacre dos sertanejos de Canudos, retratando-os como bravos heróis que resistiram até o fim.
Renato Cancian é cientista social, mestre em sociologia-política e doutorando em ciências sociais, é autor do livro "Comissão Justiça e Paz de São Paulo: Gênese e Atuação Política -1972-1985"

Fonte: UOL Educação. Disponível em: <http://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/guerra-de-canudos-a-republica-se-impoe-ao-sertao-a-ferro-e-fogo.htm>. Acesso em: 1º mar. 2015.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

O AMOR ACABA (Paulo Mendes Campos)


Fonte: https://daniellemoraes.files.wordpress.com/2010/01/0amor-que-se-acabou.jpg
 
O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova York; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.
Disponível em: <http://www.releituras.com/i_eleonora_pmcampos.asp>. Acesso em: 20 fev. 2015.