domingo, 12 de julho de 2015

INTERTEXTUALIDADE [ #2 ] - AS DIVERSAS CANÇÕES DO EXÍLIO


O poema “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias, é um dos mais revisitados da língua portuguesa. Vários autores, em diversas épocas, se inspiraram neste poema.


CANÇÃO DE EXÍLIO (Casimiro de Abreu)

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!

Meu Deus, eu sinto e tu bem vês que eu morro
Respirando este ar;
Faz que eu viva, Senhor! dá-me de novo
Os gozos do meu lar!

O país estrangeiro mais belezas
Do que a pátria, não tem;
E este mundo não vale um só dos beijos
Tão doces duma mãe!

Dá-me os sítios gentis onde eu brincava
Lá na quadra infantil;
Dá que eu veja uma vez o céu da pátria,
O céu do meu Brasil!



CANTO DE REGRESSO À PÁTRIA (Oswald de Andrade)

Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos aqui
Não cantam como os de lá

Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra

Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá

Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo.



NOVA CANÇÃO DO EXÍLIO (Carlos Drummond de Andrade)

Um sabiá na
palmeira, longe.

Estas aves cantam
um outro canto.

O céu cintila
sobre flores úmidas.
Vozes na mata,
e o maior amor.

Só, na noite,
seria feliz:
um sabiá,
na palmeira, longe.

Onde tudo é belo
e fantástico,
só, na noite,
seria feliz.
(Um sabiá,
na palmeira, longe.)

Ainda um grito de vida e
voltar
para onde tudo é belo
e fantástico:
a palmeira, o sabiá,
o longe.



CANÇÃO DO EXÍLIO FACILITADA (José Paulo Paes)

Lá?
Ah!

Sabiá...
papá...
maná...
sofá...
sinhá...

Cá?
Bah!



CANÇÃO DO EXÍLIO ÀS AVESSAS (Jô Soares)

Minha Dinda tem cascatas
Onde canta o curió
Não permita Deus que eu tenha
De voltar pra Maceió.
Minha Dinda tem coqueiros
Da Ilha de Marajó
As aves, aqui, gorjeiam
Não fazem cocoricó.

O meu céu tem mais estrelas
Minha várzea tem mais cores.
Este bosque reduzido
deve ter custado horrores.
E depois de tanta planta,
Orquídea, fruta e cipó,
Não permita Deus que eu tenha
De voltar pra Maceió.

Minha Dinda tem piscina,
Heliporto e tem jardim
feito pela Brasil’s Garden:
Não foram pagos por mim.
Em cismar sozinho à noite
sem gravata e paletó
Olho aquelas cachoeiras
Onde canta o curió.

No meio daquelas plantas
Eu jamais me sinto só.
Não permita Deus que eu tenha
De voltar pra Maceió.
Pois no meu jardim tem lagos
Onde canta o curió
E as aves que lá gorjeiam
São tão pobres que dão dó.

Minha Dinda tem primores
De floresta tropical.
Tudo ali foi transplantado,
Nem parece natural.
Olho a jabuticabeira
dos tempos da minha avó.
Não permita Deus que eu tenha
De voltar pra Maceió.

Até os lagos das carpas
São de água mineral.
Da janela do meu quarto
Redescubro o Pantanal.
Também adoro as palmeiras
Onde canta o curió.
Não permita Deus que eu tenha
De voltar pra Maceió.

Finalmente, aqui na Dinda,
Sou tartado a pão-de-ló.
Só faltava envolver tudo
Numa nuvem de ouro em pó.
E depois de ser cuidado
Pelo PC, com xodó,
Não permita Deus que eu tenha
De acabar no xilindró.

A versão de Jô Soares tomou como base os acontecimentos que resultaram no impeachment do presidente Fernando Collor de Melo, em 1992. A Casa da Dinda, como era o nome da residência oficial do então presidente, foi alvo de uma reportagem por parte da Revista Veja ("As floridas cachoeiras da corrupção", em 9/9/1992) que mostrava a quantia exorbitante de dinheiro que fora gasto na sua ampliação e manutenção, num dos escândalos que acabaram derrubando o presidente do poder.

INTERTEXTUALIDADE [ #1 ] - AS DIVERSAS "CANÇÕES DO EXÍLIO"



CANÇÃO DO EXÍLIO (Gonçalves Dias, 1843)

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá; 
As aves, que aqui gorjeiam, 
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas, 
Nossas várzeas têm mais flores, 
Nossos bosques têm mais vida, 
Nossa vida mais amores.

Em  cismar, sozinho, à noite, 
Mais prazer eu encontro lá; 
Minha terra tem palmeiras, 
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

A “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias, texto-matriz, foi produzida no primeiro momento do Romantismo Brasileiro, época na qual se vivia uma forte onda de nacionalismo, que se devia ao recente rompimento do Brasil-colônia com Portugal. O poeta trata,neste sentido, de demonstrar aversão aos valores portugueses e ressaltar os valores naturais do Brasil.

Quando Gonçalves Dias escreveu este poema, cursava a Faculdade de Direito em Coimbra, em julho de 1843. Vivia, dessa forma, um exílio físico e geográfico. Tradicionalmente, esta é a situação do exílio.

CANÇÃO DO EXÍLIO (Murilo Mendes, 1930)

Minha terra tem macieiras da Califórnia 
onde cantam gaturamos de Veneza. 
Os poetas da minha terra 
são pretos que vivem em torres de ametista, 
os sargentos do exército são monistas, cubistas, 
os filósofos são polacos vendendo a prestações. 
A gente não pode dormir 
com os oradores e os pernilongos. 
Os sururus em família têm por testemunha a
                                            [ Gioconda. 
Eu morro sufocado 
em terra estrangeira. 
Nossas flores são mais bonitas 
nossas frutas mais gostosas 
mas custam cem mil réis a dúzia. 

Ai quem me dera chupar uma carambola de
                                            [ verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade! 

O poema de Murilo Mendes é uma produção do período Modernista, surgido a partir da década de 1920 no país. Essa época se caracterizava pelo nacionalismo crítico e por uma revisão tanto da história do Brasil como da produção literária anterior que, segundo o pensamento da época, havia uma apropriação inadequada das produções e ideais estrangeiros.

Murilo Mendes, em sua “Canção do Exílio”, denuncia a invasão cultural estrangeira no Brasil. O nacionalismo em seu poema se fundamenta numa crítica à realidade sociocultural brasileira. Ele não se conforma em se aceitar tudo o que vêm de fora: as frutas, os pássaros, os artistas, as ideologias… Ele tem consciência de que também temos coisas boas e que temos de valorizá-las. Ele mostra, porém, que quando isso acontece, o preço das coisas sobem: temos de comprar frutas de “quinta categoria”, que são baratas, pois as nossas frutas, que são às melhores, são exportadas e, quando comercializadas aqui, custam “o olho da cara”. Essa desigualdade sócio-cultural faz o poeta sentir-se um exilado em sua própria terra.


UMA CANÇÃO (Mario Quintana, 1962)

Minha terra não tem palmeiras...
E em vez de um mero sabiá,
Cantam aves invisíveis
Nas palmeiras que não há.

Minha terra tem relógios,
Cada qual com sua hora
Nos mais diversos instantes...
Mas onde o instante de agora?

Mas onde a palavra "onde"?
Terra ingrata, ingrato filho,
Sob os céus da minha terra
Eu canto a Canção do Exílio!

Mário Quintana, poeta modernista, em sua releitura “Uma Canção”, não apresenta um exílio geográfico, mas de uma inadaptação da realidade que o envolve: o onde e o agora. É através desse questionamento da existência que o poeta nega dois valores fundamentais do texto-mãe: “as palmeiras e o sabiá”, quando afirma que “As aves invisíveis cantam em palmeiras que não há”. Ele se sente como Murilo Mendes, um exilado em sua própria terra.


Referências:

AMARAL, Emília et al. Novas palavras: língua portuguesa: ensino médio: 2ª série. 2.ed.renov. São Paulo: FTD, 2005.

SANTOS, Paula Perin dos. Canção do exílio. Disponível em Infoescola.