domingo, 12 de julho de 2015

INTERTEXTUALIDADE [ #1 ] - AS DIVERSAS "CANÇÕES DO EXÍLIO"



CANÇÃO DO EXÍLIO (Gonçalves Dias, 1843)

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá; 
As aves, que aqui gorjeiam, 
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas, 
Nossas várzeas têm mais flores, 
Nossos bosques têm mais vida, 
Nossa vida mais amores.

Em  cismar, sozinho, à noite, 
Mais prazer eu encontro lá; 
Minha terra tem palmeiras, 
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

A “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias, texto-matriz, foi produzida no primeiro momento do Romantismo Brasileiro, época na qual se vivia uma forte onda de nacionalismo, que se devia ao recente rompimento do Brasil-colônia com Portugal. O poeta trata,neste sentido, de demonstrar aversão aos valores portugueses e ressaltar os valores naturais do Brasil.

Quando Gonçalves Dias escreveu este poema, cursava a Faculdade de Direito em Coimbra, em julho de 1843. Vivia, dessa forma, um exílio físico e geográfico. Tradicionalmente, esta é a situação do exílio.

CANÇÃO DO EXÍLIO (Murilo Mendes, 1930)

Minha terra tem macieiras da Califórnia 
onde cantam gaturamos de Veneza. 
Os poetas da minha terra 
são pretos que vivem em torres de ametista, 
os sargentos do exército são monistas, cubistas, 
os filósofos são polacos vendendo a prestações. 
A gente não pode dormir 
com os oradores e os pernilongos. 
Os sururus em família têm por testemunha a
                                            [ Gioconda. 
Eu morro sufocado 
em terra estrangeira. 
Nossas flores são mais bonitas 
nossas frutas mais gostosas 
mas custam cem mil réis a dúzia. 

Ai quem me dera chupar uma carambola de
                                            [ verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade! 

O poema de Murilo Mendes é uma produção do período Modernista, surgido a partir da década de 1920 no país. Essa época se caracterizava pelo nacionalismo crítico e por uma revisão tanto da história do Brasil como da produção literária anterior que, segundo o pensamento da época, havia uma apropriação inadequada das produções e ideais estrangeiros.

Murilo Mendes, em sua “Canção do Exílio”, denuncia a invasão cultural estrangeira no Brasil. O nacionalismo em seu poema se fundamenta numa crítica à realidade sociocultural brasileira. Ele não se conforma em se aceitar tudo o que vêm de fora: as frutas, os pássaros, os artistas, as ideologias… Ele tem consciência de que também temos coisas boas e que temos de valorizá-las. Ele mostra, porém, que quando isso acontece, o preço das coisas sobem: temos de comprar frutas de “quinta categoria”, que são baratas, pois as nossas frutas, que são às melhores, são exportadas e, quando comercializadas aqui, custam “o olho da cara”. Essa desigualdade sócio-cultural faz o poeta sentir-se um exilado em sua própria terra.


UMA CANÇÃO (Mario Quintana, 1962)

Minha terra não tem palmeiras...
E em vez de um mero sabiá,
Cantam aves invisíveis
Nas palmeiras que não há.

Minha terra tem relógios,
Cada qual com sua hora
Nos mais diversos instantes...
Mas onde o instante de agora?

Mas onde a palavra "onde"?
Terra ingrata, ingrato filho,
Sob os céus da minha terra
Eu canto a Canção do Exílio!

Mário Quintana, poeta modernista, em sua releitura “Uma Canção”, não apresenta um exílio geográfico, mas de uma inadaptação da realidade que o envolve: o onde e o agora. É através desse questionamento da existência que o poeta nega dois valores fundamentais do texto-mãe: “as palmeiras e o sabiá”, quando afirma que “As aves invisíveis cantam em palmeiras que não há”. Ele se sente como Murilo Mendes, um exilado em sua própria terra.


Referências:

AMARAL, Emília et al. Novas palavras: língua portuguesa: ensino médio: 2ª série. 2.ed.renov. São Paulo: FTD, 2005.

SANTOS, Paula Perin dos. Canção do exílio. Disponível em Infoescola.

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